sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

38º Capítulo - A tua vontade é o meu desejo (Parte II)




Os pedaços de mim que num passado pouco longínquo poderiam ter sido deixados para trás, perdidos, junto às pedras da calçada, estariam agora a reencontrarem-se. Estariam a tentar unir-se de novo, tentando formar um novo eu, um eu mais feliz, tal e qual um puzzle novo nunca visto. Contornando os pequenos dissabores que o vento nos trás e que nos deixam um sabor agridoce e duradouro no céu-da-boca, tento a todo custo reunir cada pedacinho perdido que deixei escapar por entre os dedos o mais depressa a que me permito, antes que alguém descubra o meu pequeno e único esconderijo e me destrua o puzzle, mesmo antes de este estar terminado.

Sinto-me uma ditosa por vezes, ao reparar que estou rodeada por pessoas que amo, e que sei também me amar… Saber que tenho uma vida minimamente estável e que tenho a sorte de poder partilha-la com um rasto de amigos verdadeiros, confiáveis. Mas é neste momento que o medo entra… entra e destrói grande parte da esperança que me possui, enfiando-se na minha cabeça e deixando-me desarmada emocionalmente. Medo que num simples ato de burrice ou mal entendimento acabe por perder tudo de bom que tenho.

Estava tão embrenhada nos meus pensamentos que me deixei desligar, como se me faltasse os sentidos. Deixei de ouvir o típico barulho inquietante da cidade, a água a bater descompassadamente contra o barco, o barulho dos seres vivos que nos envolviam naquele fragmento de espaço – escuro devido à falta de luminosidade – e até o barulho do motor do pequeno barco que até então permanecera ligado. Tudo permanecia longe da minha cabeça. Estava vazia - e ao mesmo tempo tão lotada.
Recuperei os meus sentidos e fui sugada do meu transe com o toque de David nas minhas costas. Estava agora ao meu lado sem eu ter dado pela sua presença.


- ‘Cê acha que está bom aqui? – Questionou-me em voz baixa, relativamente ao lugar ao qual elegera para parar a fim de passar-mos um tempinho juntos, diferente do habitual.


- Está ótimo. – Rematei assim que olhei todo o espaço e conferi que não haveria perigo de sermos vistos ali por alguma pessoa indesejada. – Acho que aqui não saímos nas revistas…. – Sorri-lhe e ele olhou-me nos olhos, logo depois de se ter sentado ao meu lado.


- Ainda não te habituas-te a isso né? – David estava agora mais sério e não queria de todo que esse assunto nos estragasse a noite.


- Habituar a quê? – Baixei o olhar. Preferi passar por desentendida pois tinha medo que desta conversa pudesse surgir uma discussão, e isso era tudo o que não queria que acontecesse nesse momento.


- Habituada a ver a sua vida nas revistas… - David falou calmamente, mas sentia que dentro dele nada se mantinha calmo. Contudo, estava completamente indecifrável.


- Oh David… - Aquele não era o momento para ter essa conversa, ou talvez fosse. Não sei… talvez não houvesse um momento certo para falarmos das coisas que nos atormentam ou simplesmente que nos põem nervosas. E eu estava sem dúvida a ficar nervosa.


- ‘Tá tudo bem… só estou perguntando. – David cruzou os braços e olhou-me esperando que lhe respondesse à pergunta. Respirei fundo e comecei a falar.


- É óbvio que não estou habituada, até por porque isso não tem acontecido… - Pronunciei calmamente. – Quer dizer, na verdade nunca aconteceu desde que nos tornamos namorados, o que não foi á muito tempo….


- Eu sei…. – David estava mais seco no tom que falava, e isso não me agradava minimamente.


- Não, não estou habituada e nem sei se virei a estar. Nunca tive a minha vida exposta dessa maneira e isso começar a acontecer assim de repente não me agrada, de todo.


- Então não te agrada estar comigo, é isso? – Custou-me a ouvir aquela acusação sem nexo algum, o que me despoletou uma sensação angustiante no peito.



- O quê? – Olhei-o incrédula e sem saber o que haveria de dizer. Mesmo que em pouco tempo, nunca lhe havia dado motivos para pensar dessa forma. – Não é nada disso David! Tu sabes que eu te amo, não percebo essa acusação!


- Não é acusação. Só quero ficar esclarecido… - Era a primeira vez que nos via a iniciar uma discussão assim e não queria que isso acontecesse, pois sabia que se deixasse isso continuar tornar-se-ia algo constante nos próximos tempos. Sempre foi assim nas relações e com certeza está longe de mudar.


David continuava á espera que falasse, e por isso mirava-me. Eu olhava-o e perguntava a mim mesma o porque deste assunto, o porquê desta espécie de insegurança por parte dele. Não queria continuar com aquilo, afinal encaminhei-o até ali para que passasse-mos momentos alegres juntos e não de insegurança e desalento. Deixei-me ficar em silêncio e fui-me sentar na parte da frente do barco. Há algum tempo que havia adotado o silêncio para suprimir as discussões e cobrir as feridas que certas palavras provocavam em mim. Não queria discutir com ele e por isso guardei para mim a sua frieza e deixei-me ficar a olhar o rio.


- Vais fugir à conversa agora? – David viera atrás de mim e deixou-se ficar junto á minhas costas - bem perto - mas não tanto ao ponto de me tocar e deixar-me ceder aos seus encantos. Queria ter aquela conversa, e a verdade é que não tinha razões plausíveis para acabar com ela.


- Não quero discutir contigo David. – Pronunciei sem me mexer, e a voz saiu-me mais fraca do que desejava. No fundo sentia-me magoada por aquela acusação, mas a vontade de me amarrar a ele era mais forte do que isso, mas ele não me iria receber de braços abertos. Não sem antes colocarmos um ponto final na conversa.


- Então não fuja à conversa e me responda…


Virei-me para ele e encarei-o. - Que queres que te diga David? Claro que me agrada estar contigo! Eu só não quero ser capa de revista. Não quero ser a «nova amiga do David Luiz» que foi a tal lado com ele! É óbvio que não quero! – O meu auto-controlo estava cada vez mais difícil de se manter e o meu tom de voz já subia outra fasquia.


- E você por acaso acha que eu quero isso? Que eu escolhi isso? Eu também não quero a minha ou a vida de minha namorada colada em revista cheia de fofoca falsa!


- Então porquê isto David, porquê? – Não entendia o porquê de estarmos a discutir se estávamos de acordo em não querer a nossa vida exposta dessa forma.


- Porque eu não escolhi, mas tenho que lidar com isso! E desde que você aceitou ficá’ comigo sabia que estava a aceitar isso também! Pelo menos eu pensava que sim… - David também ficara mais exaltado e, depois de suspirar, vi os olhos deles largar os meus para abarcarem a paisagem.


- Pois, mas não é necessário lidar com isso agora, tão cedo!


- Não? Então vais lidar quando? Quando não aguentares mais andar às escondidas? ‘Cê não entende!


- O que é que eu não entendo? Diz-me, o que é? – Estava a passar-me completamente com esta conversa e cheguei mais para perto dele e olhei-o nos olhos. – Fala.


- Não entende muita coisa… muita coisa… - Não demorou muito para que desviasse o seu olhar do meu e se afastasse.


- Tu é que não percebes que só quero a minha privacidade! Mais nada!


Ele voltou a encarar-me. - Eu daria minha privacidade por você.

Aquelas palavras caíram como um murro no estômago que não pude evitar. Elas assentaram em mim tão bem que quase sorri ao perceber a enormidade dos seus sentimentos. Não que eu não sentisse o mesmo, porque sentia… mas não me via pronta para dar um passo tão grande assim, mesmo que no início pensasse que fosse mais fácil passar por isso. Não, não me parecia pronta. Afinal, passaram-se pouco mais de um mês que namorava com David, será que ele não percebia isso? Será que não entendia que seria tudo muito repentino?
Não sabia o que fazer ou… raios! Não sabia sequer o que dizer.
Senti as pernas fraquejarem e percebi que os meus pulmões já sustentavam o mesmo oxigénio há algum tempo assim que ele se aproximou de mim – demasiado para o meu belo auto controlo – e segurou uma das minhas mãos.


- Eu, com certeza daria minha privacidade por você. – David sorriu torto e olhou a minha mão segura entre seus dedos. – Eu até daria tudo por você…


- David não… - Ele interrompeu-me mesmo antes de eu ter formulado uma frase sólida na minha cabeça, largando-me num instante como se acabasse de despertar de algum tipo de hipnose dolorosa.


- Esqueça mesmo… - Ele falou rápido, levantando a mão num gesto de deixa p’ra lá” que me irritou profundamente. – Você própria disse que não quer lidar com isso. Feita uma egoísta.


- Ai eu é que estou a ser egoísta? Porquê? Porque agora decidiste passar para a parte dos insultos ou tens alguma explicação melhor?


- É, egoísta você. E nem consegue perceber isso!


- Claro que não consigo perceber isso, porque simplesmente: eu-não-sou! Ninguém é egoísta por querer manter a sua privacidade e até a privacidade do namorado David! – Disse totalmente exasperada, deixando cair os braços contra a cintura.


- É egoísta sim, e você no fundo sabe isso! Egoísta porque só está a pensar em você mesmo… Está a pensar o que é melhor p’ra você e só p’ra você! Não está pensando em mim porque eu já não tenho privacidade no meu dia-a-dia. Está vendo o que é melhor p’ra si mas não o que é melhor p’ra mim, p’ra nós dois! Está nem aí para o que é melhor p’ra mim!


- Como podes dizer isso? Claro que estou a pensar no melhor para nós os dois! – Falei tentando engolir as palavras dele aglutinadas na minha garganta, sabendo terem uma ponta de verdade, mesmo eu não estando a avistar.


- Não, não estás! Nem entendes o que preciso! – David soltou de rajada, também já cansado pela conversa que parecia não ter fim nem entendimento. Ele sentou-se e eu levantei as mãos em sinal de incompreensão. Era verdade, estava cada vez mais difícil perceber o que ele quer dizer.


- Então diz-me, porra! Diz-me do que precisas… - David olhou-me enfurecido e sorriu ironicamente.


- Preciso de ti! – Disse tentando fazer-me entender com o olhar a sinceridade desapacientada das suas palavras.


- Mas eu estou aqui. Sempre estive aqui. Eu… - Suspirei e olhei-o nos olhos. – Eu sou tua…


- Estás aqui agora, mas por quanto tempo mais? – Ele levantou-se num ápice e chegou-se a mim. – Eu preciso de ti além das horas assistindo filme no sofá da sala. Preciso de ti mais do que durante aquele tempo em que te posso ver dormir em minha cama. Preciso de ti mais do que jantares em casa. Preciso de ti fora de quatro paredes!


Eu fiquei estática mal aquele olhar intenso se encontrou com o meu e me deixou sem fôlego  acabando com a minha vontade de fugir de perto dele para não cair na tentação de me perder nos seus braços. Apetecia-me gritar que não podia ser, que eu não me queria entregar assim dessa forma às bocas mais perversas do mundo. Queria gritar que tinha medo de tudo o que isso me pudesse trazer, ou pior, tirar. Mas não conseguia. As minhas cordas vocais há muito que se renegavam a tremer por pouco que fosse, deixando-me com a boca seca e o coração acelerado. Ele estava a colocar aquele dissabor em cima da mesa para mim, para que eu percebesse que ele não queria assumir tudo, ele precisava.


- Cê não imagina…. Cê não entendo do quanto preciso me sentir… eu só quero poder agir normal, sem fingimentos! Quero poder sair de casa ao seu lado e poder pegar sua mão sem problema de sair na revista do dia seguinte, quero podê abraçar você sem ter que disfarçá, quero andar com você no passeio e deixar o casaco de capuz em casa. Quero... – David parou de falar e colou-se junto a mim, deixando-me totalmente perdida. – Quero podê fazer isso…


Pronto, estava definitivamente perdida. David beijara-me devagar, prendendo a minha nuca com a sua mão - demasiado quente para a minha saúde mental não se perder – e eu deixei-me levar pelo sabor a menta que os seus lábios macios me faziam sentir. Por um momento deixei de pensar, deixei que todos os motivos de pensamento bloqueassem e permiti a mim mesma disfrutar daquela sensação de bem-estar que eu tanto adorava quando estava nos seus braços.


- Sempre que eu quiser, onde eu quiser… - Sussurrou junto aos meus lábios e eu estremeci voltando a mim, enxovalhando-me e obrigando-me a pensar de novo. Eu estava chateada. Ele estava chateado. Nós estávamos a discutir. Calar-me agora ou voltar a beija-lo seria estar a aceitar e concordar em assumir tudo, que aquilo era o certo… mas porra(!) eu queria beija-lo de novo.


- Ahn, é… é melhor irmos embora… - A voz saiu-me muito mais fraca do que eu esperava, dando conta de que a minha respiração estava mais acelerada do que nunca naquela noite.


Virei-lhe costas com receio e dirigi-me para o outro lado com intenção de ligar o motor e pôr-me a andar dali p’ra fora. Quer dizer, por os dois a andar dali p’ra fora.
Mas mesmo antes de conseguir sequer pensar em como se ligava aquilo sem fazer figura de parva, tropecei numa corda e se não fosse os braços de David a amarrar-me teria caído e congelado naquela água totalmente gelada.


Ele apertava-me forte, deixando o meu rosto entalado contra o seu tronco como se tivesse medo de ainda não estar segura e cair dos seus braços de novo. Vi um duplo sentido no que acabara de pensar e suspirei tentando a todo custo acalmar-me para construir as barreiras necessárias para que fosse possível soltar-me dele. Mas não conseguia. No fundo até eu sabia que a melhor maneira de me acalmar era continuar ali junto a ele, encostada a ele. Deixei que o meu orgulho – muito pouco bem empregado naquela situação – se evaporasse e fui envolvendo o seu tronco a medo com os meus braços. Senti-o inspirar forte e, de repente, tudo mudou.


- Melhor irmos mesmo…. Já viu o que será se nos virem aqui? – Pronunciou com uma ponta enorme de sarcasmo brotando dos seus lábios que me fez arrepiar por dentro e me deixar totalmente irritada.

Quem ele pensava que era para me virar as costas dessa maneira? Como é que ele me conseguia tirar do sério, conseguindo ser também aquele que me punha eufórica, feliz, entusiasmada e, bem… louca por ele?

Afastei os pensamentos enraivecidos e sentei-me de costas para ele.


- É melhor mesmo. – Concordei secamente com o olhar fixo no azul-escuro de um céu estrelado e tentei acalmar o meu pobre coração que teimava bater desordeiramente.


Vi aquele silêncio constrangedor meter-se entre nós e transpor-me a pele de forma absurda, deixando-me instantaneamente inquieta. Respirei fundo e tentei cantarolar apenas na minha mente «Let me go home» de Michael Bubley para me convencer que não iria conseguir pensar nas duas coisas ao mesmo tempo. Não resultou.

Vi-o sair primeiro e atando a corda em que á pouco havia tropeçado a uma base de ferro junto ao passeio. Saí logo a seguir, tentando ao máximo não me desequilibrar e ter necessidade de pedir ajuda para me segurar.Ajeitei a bolsa no ombro e assim que vi que ele havia terminado o nó e se levantado, comecei a caminhar de cabeça baixa em direção ao seu carro sentindo e sabendo que ele caminhava também logo atrás de mim.

Ponderei o tom de voz em que deveria falar depois de todo o tempo de silêncio. Não sabia como me despedir dele depois de estarmos chateados. Eu acho que nem respirar eu conseguia mais.
Parámos junto ao carro e tirei o casaco, virando-me para ele.


- Obrigado pelo casaco, ahn… esteve mesmo frio. – Desviei o olhar para o chão por um momento, com medo que não me conseguisse soltar mais – Boa noite David.


- Onde vai? – Perguntou mesmo sabendo para onde tencionava ir, sozinha.


- Para casa, onde havia de ser… - Não consegui evitar e fui seca com ele.


- Entre no carro. – Disse de forma firme, pouco autoritária mas nem de longe pedindo.


- E porque eu deveria fazer isso? – Abordei de forma sarcástica. Mas será que ele pensava que eu fazia tudo o que lhe apetecesse que eu fizesse? Bem, talvez noutra situação eu fizesse sim, mas não agora.


- Porque a Rita e o Rúben não merecem que você lhes estrague a noite. – Com os seus olhos fixos em mim, David deu um passo na minha direção e entregou-me o casaco de novo. – Nem tudo tem a ver com você.


Eu estava paralisada. Era a primeira vez que discutia com David asserio. Era a primeira vez que o via falar assim. Se fosse com outra pessoa, provavelmente ficaria irritadíssima e pronta para iniciar uma discussão acesa com tudo a que tem direito, mas não era. Era David, o homem por quem estava apaixonada e que nunca me havia feito conhecer esta sua faceta. O pior? Ele continuava sexy demais.


- O-ok. – Gaguejei ao tentar falar e afastar os pensamentos que se apoderaram da minha mente ao mesmo tempo. Eu ficara maluca, só pode… Porque naquele momento a minha cabeça viajou, e até aquela postura séria e o olhar cravado em mim me despertaram desejo.

Olá terráquias lindas! É, eu não morri nem nada parecido... 
Quero dar um pedido de DESCULPAS enorme por só postar agora, depois de tanto tempo.
Qualquer coisa num ataque de vontade de escrever fez com que me dedica-se um bocadinho à história e acabasse esta parte do capítulo. O que não sei dizer é quando voltarei a postar, mas com certeza não será num período de tempo tão extenso.  
Beijinhos e Bom Natal!

Ana Sousa*

quinta-feira, 22 de março de 2012

38º Capítulo - A tua vontade é o meu desejo (Parte I)



A noite estava bastante aprazível, sentia-se uma brisa suave pairando à nossa volta sempre que nos mexíamos. Contudo, nada que nos fizesse arrepiar. Sentia-se o ar limpo, fresco como se estivesse totalmente renovado e – mesmo sendo ares de Lisboa – parecia desprovido de qualquer tipo de poluição. Ao contrário do costume, o barulho produzido pelas várias tecnologias criadas pelo suor e imaginação do homem, que nos conferiam – sem dúvida alguma – uma enorme vantagem no nosso rotineiro dia-a-dia, estava agora muito reduzido. O que agradava a todos.
O céu estava já escuro, com uma vastidão de estrelas cintilantes que pareciam estar em sintonia com a lua. De tão diferente que esta estava, arriscava a dizer, mesmo sem saber, que seria um dia de lua cheia.

Estava tudo demasiado calmo, demasiado ameno. Não que isso me aborrecesse, mas tornava-se demasiado contrastante com todas as partículas do meu ser, que agora saltavam, berravam, queimavam-se ao tocar umas nas outras, tentando, quem sabe, escapar pelos poros da minha pele. David beijara-me ardentemente, compartilhando-me desejo e paixão. Exercera uma leve força no meu lábio inferior, prendendo-o e fazendo-me procurar por mais. Dividindo e entrelaçando a sua língua com a minha, numa dança quase que instantânea, deixara-me irremediavelmente tiritante.
Não fora um beijo qualquer, foi um misto de carinho e desejo, ao qual não conseguiria identificar qual dos dois estaria em maior quantidade… mas foi o suficiente para implorar por mais, mesmo que interiormente.

- Acho que… me apaixonei de novo… - Olhei-o nos olhos, proferindo tais palavras sinceras ainda de voz esfalfada pelo momento.


David apenas sorriu. Ainda com a sua mão a acariciar-me o rosto, colou os nossos corpos ainda mais, deixando os dois peitos exercerem força um no outro pelo elevado contacto, e voltou a beijar-me da mesma forma, com a mesma intensidade, e com o mesmo sentimento que nutríamos um pelo outro.


- Então te beijarei sempre assim... Para que você se apaixone novamente e novamente por mim. Todo’ santo dia, até envelhecê ao seu lado… - Sorri, babada com tais palavras que sabia serem verdadeiras.


- Seria com todo o gosto e dedicação, meu amor…


***

- Cê não gosta de perdê mesmo! – David gozava comigo, depois de me ter visto chateada por ter perdido contra ele a jogar PES. A verdade é que não gostava de perder nem a feijões.


- Não gozes David! – Pedia já a ficar irritada com a situação, ao qual não surtiu qualquer efeito, pois ele riu-se ainda mais.


- Mô, vou no banheiro. Já volto… - Beijou-me a testa.


Ele saiu da sala e eu apreciei um quadro que ele tinha disposto na parede do lado esquerdo. Era uma bela moldura com uma fotografia de Lisboa à noite, junto ao rio Tejo. Não demorei muito a pegar no telemóvel e a fazer uma chamada.


- Estou, Luís? – Perguntei assim que deixei de ouvir o bip bip constante.


- Sim, sou eu… Então Ana, está tudo bem? Já não falamos há algum tempo… - Luís era um amigo de infância, não muito chegado, mas sabia que se precisasse de alguma coisa ele estaria disposto a ajudar.


- Está sim… Olha, eu queria saber se ainda tens aquele barco cá em Lisboa?


- Tenho, mas porquê?


- Eu queria preparar uma surpresa, e pensei no teu barco… Achas que me podias emprestar por esta noite? Eu juro que o trago direitinho! – Brincava com ele, sabendo que ele não teria qualquer problema em disponibilizar o barco para esse feito, mas rezava para que o pudesse utilizar agora.


- Ai anda rapaz na costa? Huum… Eu posso-te emprestar, mas tens que ir pedir a chave do aloquete ao Senhor José.


- Quem é o Sr. José? – Perguntei confusa, e já com medo que David aparecesse vindo da casa de banho e descobrisse a pequena surpresa que... Bem, na verdade, não seria nenhuma surpresa... Era apenas um momento bonito a dois, para que aproveitássemos bem o tempo que temos um com o outro.


- É um colega, ele vive numa casa azul e branca mesmo ao lado… Ele tem uma segunda chave do aloquete, vais ter que lhe pedir porque eu hoje não estou por cá…


- E achas que ele me disponibiliza a chave assim? Sem me conhecer?


- Não te preocupes, eu ligo-lhe já a dizer que vais passar lá…


- Obrigado Luís, a sério. És um querido!


- De nada. Mas isso eu já sei, não precisas de dizer! – Riu-se, e o David entrou na sala e por pouco não me atrapalhava…


- Bem, vou desligar Rita. Até amanhã! – Disfarcei, e desliguei a chamada para que David não desconfia-se de nada. Depois mandar-lhe-ia uma mensagem a desculpar-me.


- Está tudo bem mô?


- Está… Foi a Tááh que me ligou a perguntar se eu tinha ficado com as chaves de casa dela… - Disse a primeira desculpa que me veio à cabeça e beijei-o, para que não se apercebesse. – Vá levanta a peida daí!


- Ué, porquê? – Esbugalhou os seus olhos castanhos lindos – que derretiam qualquer mulher - e deitou-se em cima de mim. – Minha bunda linda está tão bem aqui!
Ri-me como uma parva quando ele disse aquilo, ao mesmo tempo que passava a mão no rabo.


- Isso é ciúme garota? ‘Tá com ciúme do meu bumbum ela olha… - Voltei-me a rir e de seguida apalpei-o.


- Eu, ciúmes? Olha para isto David! Seu bumbum é que nem zuca, arrebitado! – Imitei-o e desmanchamo-nos a rir.


- Cê é mesmo má, pocha!


- Vá, então levanta daí o rabo e anda comigo. Quero-te mostrar uma coisa! – Afirmei com um sorriso nos lábios.


- Mostrar uma coisa p’ra mim? O quê? – David era e seria sempre o mesmo curioso, e iria insistir até conseguir o que queria, mas não lhe ia dizer até chegar lá.


- Ai, deixa de ser curioso Senhor David Marinho! Eu não vou dizer…


- Vala… Se cê me ama, me diga vai!


- És mesmo chantagista meu! Não vou dizer e acabou a conversa… - Ele fez beicinho e eu ri-me. – Vá, vai vestir um casaco quentinho e se poderes traz um teu p’ra mim também sim? Deve estar a ficar frio…


- Ahah, não trago pra ti enquanto não me disseres!


- Está bém, mas continuo a não dizer! – Fiz-me de amuada e virei-lhe costas pronto para sair da porta e esperar por ele.


David não demorou muito a estar de novo ao pé de mim e eu ri-me. Ele trazia consigo um casaco para mim. Iria ficar-me bastante grande, mas adorava ter algo dele vestido… Principalmente quando acordava do lado dele, e ia fazer o pequeno-almoço em roupa interior e a embrenhar-me no cheiro viciador de David, que permanecia na sua roupa e se colava ao meu corpo e até mesmo no meu cabelo…


- Ué, não ia deixar a minha garota ao frio não… - Fez-se ele de amuado e eu amarrei-o fortemente. Beijei-lhe a bochecha direita.


- Gosto muito de ti, amuadinho!


- Se cuida garota, o amuadinho pode ser muito mau… - Apertou-me a nádega esquerda com a mão e mandou-me um sorriso malicioso. Estava visivelmente a provocar-me.


- Gostava de ver isso… - Aliciei-o e ele entregou-me outro sorriso igualmente provocador.


Olhou para ambos os lados e clicou no botão do elevador que se abriu logo de seguida. Amarrou-me no braço de forma bruta e puxou-me para as paredes do elevador fazendo-me embater fortemente mas sem que me magoasse. A porta fechou-se e David clicou no piso 0. Com uma mão estendida de encontro à parede e outra na minha perna puxou-me para si e beijou-me o pescoço deliciosamente.
Puxei a sua face para cima e beijei-o fortemente, ele não deixou que o prendesse e levou a sua mão ao meu vestido, fazendo escorregar os seus dedos por dentro das minhas cuecas.

«Pliiim»


Assim que ouvimos o som separamo-nos. Manda-mos um sorriso atrevido um ao outro e eu saí à frente dele com um sorriso nos lábios pronta a provoca-lo. Deixei cair um lenço ao chão e baixei-me ao mesmo tempo que puxei o vestido para cima. David sorriu e trincou o lábio.


- Algum problema amor…? – Ele sorriu e abanou os seus vastos caracóis.


- Você é do pior moça…


- Vais tu a conduzir! – Sorri e caminhei até ao carro onde acabei por entrar. – Rio Tejo… - Ele assentiu e ligou o carro sem fazer qualquer pregunta. Sabia que não iria dizer mais nada…


****


- Espera aqui por mim… - Disse-lhe beijando-lhe a testa e ele olhou para mim confuso.


- Mas…


- Um minuto amor... Não demoro, juro! – Pisquei-lhe o olho e procurei com o olhar a casa azul e branca que o Luís me havia referido.


Aproveitei para lhe mandar uma mensagem a pedir desculpa por me ter despedido dele como “Rita”, justificando a presença dele. Depois lembrei-me…


- Merda! Como vou saber qual é? – Pronunciei-me alto e voltei a mandar-lhe uma mensagem a perguntar qual o nome do barco.


De: Luís Ferreira
Não faz mal, eu percebi! Está escrito de lado, “your desire”… Fica bem,
Luís : )


Ri-me com o nome do barco e avancei até ao portão pintado a branco. Toquei à campainha e não demorou a aparecer um senhor à porta. Era de um porte médio e tinha já o cabelo grisalho pela idade. Sorriu e voltou para dentro. Estranhei a sua reação mas logo a seguir vejo-o a trespassar a porta de novo ao meu encontro.


- É o Sr. José? – Perguntei para ter certeza de que bati na porta certa.


- E a menina deve ser a Ana? – Perguntou-me abrindo-me o portão...


- Sim, sou eu! O Luís disse-lhe que eu vinha cá?


- Disse sim… Tem aqui a chave!


- Obrigado, e desculpe estar a chateá-lo a esta hora da noite… já não é cedo!


Desculpei-me pelo incómodo que provavelmente estaria a causar ao senhor, empatando-lhe a vida ou a atrasar-lhe as horas de sono… Já passavam das vinte e três horas e com certeza não lhe viria bater à porta para entregar as chaves de madrugada…

- Não se desculpe menina… Afinal hoje é sexta-feira e não estava a fazer nada que tivesse de parar!


- Ainda bem…! E será que posso passar aqui amanhã para lhe entregar a chave?


- Claro que sim, esteja à vontade…


- Amanhã às dez horas está bem para si?


- Por mim está óptimo!


- Então amanhã passarei aqui para lhe entregar a chave! Obrigado mais uma vez…


- De nada menina… Tenha uma boa noite! – Desejou-me o senhor com um sorriso na face e pronto a entrar no calor aconchegador que com certeza sentia em casa.


- Igualmente…


Encaminhei-me de novo para junto de David que se mantinha no mesmo sitio onde lhe pedi para esperar… Estava virado para o Tejo pensativo, cheguei ao pé dele e abracei-o encostando as suas costas ao meu peito.


- Que dizes de uma volta de barco por este maravilhoso rio? – Olhou-me e eu sorri-lhe pondo à vista a chave que o senhor me havia dado a minutos atrás…


- Agora? – Abanei afirmativamente com a cabeça e puxei pelo braço do homem que definitivamente amava e que fazia feliz até juntos dos barcos. Queria proporcionar-lhe uma boa noite…


Desculpem pela demora de um novo capítulo, e por ser pequenino, mas como poderam ver a falta de inspiração anda-me a afectar assim como problemas pessoais que não me têm deixado com a mínima vontade de pegar na história. Tentarei postar rápido a próxima parte do capítulo que será um ponto importante na vida destes dois…
Deixem os vossos comentários, que sempre me incentivam a continuar e que têm sido pouquinhos…
Beijinhos,
Ana Sousa